Idade Média
Período histórico entre a Antiguidade e a Época Moderna, a Idade Média, como qualquer outra divisão cronológica, apresenta datas discutíveis quanto ao seu início e fim. Tradicionalmente, os manuais de História apontam para início o ano de 476, data da deposição do último imperador romano do Ocidente, Rómulo Augusto, por Odoacro, que transferiu mesmo as insígnias imperiais para Constantinopla. Porém outras datas são avançadas usualmente: 395, morte de Teodósio I e divisão do império; 406, início das invasões germânicas; 410, queda de Roma às mãos de Alarico, rei germânico. Se o início da Idade Média é polémico, o fim não é claro também: para além de 1453, ocupação de Constantinopla pelos Otomanos, também se aponta 1492, ano da primeira viagem de Colombo à América, ou até as Guerras da Religião, ocorridas após a Reforma Protestante de 1517 até ao Édito de Nantes, em 1598.
Mas, afinal, o que foi a Idade Média? A civilização medieval caracterizou-se por um fraccionamento da autoridade política e um enfraquecimento da noção de Estado, tendo em conta a organização e centralidade romanas. A economia baseava-se na agricultura, embora o comércio e as manufacturas tenham lentamente progredido. Socialmente, existia uma divisão em três grupos distintos: dois poderosos, a nobreza, guerreira e proprietária, e o clero, dominador mental e culturalmente, e um pobre, servil e maioritariamente camponês, o povo.
A Idade Média pode ser dividida em três períodos, ainda que com variações cronológicas e regionais. Se o Leste da Europa se manteve sob a influência de Constantinopla e da cultura grega, sem grandes mutações políticas e religiosas, o Ocidente europeu acabou por ser a área de definição e desenvolvimento da chamada civilização medieval. Assim, a Alta Idade Média inicia-se com as invasões germânicas e com a gradual ruptura com Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, que se manterá até 1453. A oeste, a fusão das populações romanizadas com os invasores germânicos acentua o declínio económico que se verifica desde o século III na região. A insegurança, a falta de mão-de-obra, os abusos de poder e a estagnação das cidades, que se começam a fortificar então e se resumem cada vez mais a funções episcopais, são traços comuns da época. As populações das cidades retornam ao campo. Os fracos submetem-se aos ricos e poderosos, à aristocracia proprietária, com mais poder que o rei, distante e sem influência. O sistema administrativo romano perde-se gradualmente, restando a Igreja como única herdeira do mundo antigo, voltada agora para a catequização dos campos e dos povos germânicos.
Uma das marcas assinaláveis e de maior projecção da Cristandade em crescimento e da própria civilização medieval é a difusão da vida monástica no Ocidente a partir da elaboração da Regra de S. Bento, figura exponencial do seu tempo, fundador da primeira Ordem religiosa ocidental, os beneditinos, e considerado o pai da Europa. Os mosteiros beneditinos passam a ser os herdeiros da cultura latina e fiéis depositários do mundo antigo, criadores do estilo românico e modelo de administração e unidade. A monarquia carolíngia (dinastia a que pertencia Carlos Magno, rei dos Francos) serve-se desse exemplo.
O sonho de retorno ao Império Romano ilumina a acção dos reis desses tempos, como Carlos Magno. Porém, as partilhas sucessórias (como em 843, em Verdun, com a divisão da França em três reinos) e o estado da sociedade tornam-no difícil. O período entre os séculos X e XIII marca o apogeu da feudalidade, do senhorialismo. As tentativas centralizadoras - como a dos carolíngios - enfraquecem-se desde o século IX: os reis, para manterem alguma autoridade e fidelidade dos seus vassalos, fazem inúmeras concessões de terras (benefícios), fortalecendo os senhores feudais. Nessa época, regressa a insegurança e o medo das populações, devido às incursões de Normandos, Árabes e Húngaros. A única defesa possível é em torno do castelo senhorial: para se protegerem, os camponeses renegam a sua liberdade e rendem-se à vassalidade ou ao servilismo, fortalecendo ainda mais o senhorialismo. Assim, o poder e a autoridade do rei esfumam-se, com a classe guerreira a dominar, apoiada nos benefícios (os feudos). A Alemanha é um excepção: Otton I restaura em 962 o império, agora designado Sacro Império Romano-Germânico. Também a aproximação do ano 1000 animará o Ocidente, semeando medos e incertezas, tumultos, heresias e radicalismos: o refúgio é a Igreja, que daí tira partido e se torna mais poderosa.
O reforço do papado e da Igreja marca o segundo período da Idade Média, compreendido entre o ano 1000 e o século XIII. Com a reforma gregoriana, em finais do século XI, que elimina certos abusos papais, a par da expansão monástica (nascimento de novas ordens - Cister, Premontré, Cartuxa - e reforma de outras - como a beneditina, com Cluny), da suavização da brutalidade militar (com a "paz" ou "tréguas" de Deus e os ideais de cavalaria), do apelo às cruzadas (com S. Bernardo) e da luta contra as heresias (por exemplo, os cátaros no sul de França), a Igreja ganha um grande fulgor e assume-se como o "farol" da Idade Média, moldando mentalidades, difundindo cultura e impondo uma influência política determinante. O papa sobrepõe-se mesmo aos príncipes, entrando em conflito com os imperadores alemães: qualquer rei, para o ser, teria que ter a aprovação de Roma, por exemplo.
As cruzadas e as vitórias no mar sobre o Islão, bem como o crescimento demográfico resultante de certas melhorias na produção agrícola, reanimam o comércio e o artesanato. Dá-se, consequentemente, um grande impulso às cidades, elemento definidor por excelência da Europa dos séculos XII e XIII, anunciando já o Renascimento em certas regiões da Itália e da Provença. Autonomizam-se cada vez mais as cidades, refreando a tutela senhorial e lançando as bases do movimento comunal, principalmente no Norte de Itália e na Flandres. Nasce à margem da sociedade feudal, no povo, um novo grupo social, a burguesia, urbana, mercantil e manufactureira, dedicada à finança, acumulando riquezas, poder e importância cultural.
Com o seu apoio, constrói-se um dos baluartes do mundo medieval, principalmente dos séculos XII a XV: a renovação da intelectualidade, desde sempre remetida ao clero e fechada nas abadias europeias. Assim, a actividade intelectual abre-se ao exterior, ainda que de forma lenta, absorvendo elementos das culturas judaica, árabe e persa, redescobrindo os autores clássicos, como Aristóteles e, em menor escala, Platão. Novos focos de cultura e de ensino nascem um pouco por toda a Europa a partir dos séculos XII e XIII: as universidades. Também é de assinalar a importância crescente dos mosteiros medievais, em cujos scriptoriae os copistas e bibliotecários se dedicavam à conservação e tradução dos clássicos: sem eles, não teria havido, talvez, Renascimento e Humanismo. As Ordens Mendicantes são outra marca da civilização medieval, em virtude da sua actividade assistencial, caritativa e apostólica, revolucionando a atitude da Igreja perante o Homem e o mundo: S. Francisco de Assis e S. Domingos de Gusmão são duas das luminárias do seu tempo.
A partir do século XIV, começo do fim da Idade Média, enfraquece-se a autoridade moral da Igreja (cismas, papas em Avinhão e Roma simultaneamente, abusos vários). A actividade intelectual laiciza-se em parte: as Ciências começam a rivalizar com a Teologia. A Guerra dos Cem Anos consagra o estilhaçar da Cristandade e o começo da ideia de nação, com tentativas de criação de estados fortes. Na França, a monarquia emancipa-se do papa, com conflitos entre Filipe, o Belo, e o papa Bonifácio VIII. Um duro golpe é inflingido à Europa em 1347-50, com a peste negra a dizimar mais de um terço da população, para além de outras epidemias e mortandades comuns nestes tempos. A sociedade continua maioritariamente rural, com a burguesia citadina cada vez mais activa, empreendedora e individualista, génese e motor das novas ideias que triunfarão no século XVI, mercê do progresso cultural, intelectual e artístico iniciado na Idade Média, cujo auge é, para muitos, a invenção dos caracteres móveis (a imprensa) por Gutenberg.
Como referenciar este artigo:
Idade Média. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2009.
Europa Feudal: Inglaterra, França e Germânia (sécs. X-XIV)
O Feudalismo é um sistema contratual, político e militar baseado em relações estabelecidas entre os membros da nobreza e os seus vassalos desenvolvidos na Europa Ocidental durante a Idade Média. Estas ideias feudais, que juntavam a autoridade com a liberdade através de um contrato, tornaram-se uma parte essencial da evolução política da civilização ocidental.
Este sistema caracterizava-se pela concessão de feudos, sobretudo em forma de terras e trabalho, em troca da prestação de serviços militares e políticos; era, pois, um contrato selado por juras de vassalagem e de fidelidade. Neste contrato, tanto o senhor como o seu vassalo eram homens livres e pares sociais. Deste modo, não se deve confundir o Feudalismo com o senhorialismo, um sistema de relações mantidas entre o senhor e os seus camponeses no mesmo período.
O Feudalismo aliava o serviço político e militar e a posse da terra, para preservar a integridade da Europa, ameaçada com a queda do Império Carolíngio.
Quando os invasores germânicos conquistaram o Império Romano do Ocidente, no século V, destruíram o exército profissional romano, que foi substituído pelos exércitos destes povos, compostos por guerreiros que serviam os seus chefes em nome da honra e do saque. Estes guerreiros lutavam a pé e viviam fora das terras. Enquanto lutaram entre iguais não precisaram de cavalaria. Mas com a chegada dos Muçulmanos, dos Vikings e dos Magiares, nos séculos VIII, IX, e X, os germânicos viram-se impotentes face a estes exércitos, que se moviam muito rapidamente.
O gaulês Carlos Martel, no território da actual França, o rei Alfredo no da Inglaterra e o germânico Henrique, o Passarinheiro foram obrigados a providenciar cavalos para alguns dos seus homens para afastar os invasores das suas terras. Não está provado que estas tropas lutassem a cavalo, mas podiam seguir os inimigos mais depressa; como os arreios estavam a começar a ser usados, é bastante plausível que as acções de cavalaria estivessem a principiar no mesmo período. No século XI esta situação era já, de facto, uma realidade.
Os cavalos de guerra eram, porém, caros e o seu treino moroso. Carlos Martel, o avô de Carlos Magno, para suportar os soldados de cavalaria, deu-lhes terras aradas por trabalhadores dependentes, que usurpou da Igreja. Estas propriedades, chamadas benefícios, eram concedidas durante o serviço dos soldados.
Os soldados chamados vassalos - uma palavra derivada do termo gaélico para "servo" - começaram a ser modelos para os nobres da corte, porque estes eram escolhidos e estavam sempre em volta dos chefes carolíngios. No século IX, quando ruiu o Império Carolíngio, muitos senhores poderosos reuniram os seus vassalos montados e concederam-lhes benefícios em troca de serviços. Alguns dos terratenentes mais fracos viram-se na iminência de entrar para a vassalagem e de dar as suas terras aos senhores mais fortes, recebendo-as em troca em forma de benefícios.
As relações militares dos séculos VIII e IX são muitas vezes descritas como formas do feudalismo carolíngio. No entanto, faltam-lhes as características clássicas do feudalismo, um sistema desenvolvido mais tarde, no século X. Só por volta do ano 1000, é que o termo feudo começou a ser utilizado em vez de benefício, e a mudança de terminologia reflecte essa mutação da instituição.
A partir de então, a propriedade concedida ao vassalo era usualmente aceite como hereditária, isto se a prestação do herdeiro do vassalo fosse satisfatória para o senhor e se este pagasse a taxa de herança, a lutuosa (de luto).
O vassalo jurava fidelidade, que toda a gente devia ao senhor, e fazia um juramento especial de homenagem ao senhor feudal, que o investia com o feudo. Embora o feudalismo fosse uma instituição político-militar, ambos os indivíduos envolvidos no contrato tinham direitos sobre o feudo.
As razões deste sistema podem ser encontradas no facto de a guerra ser uma constante neste período. O feudalismo surgiu, como se disse, quando o estado carolíngio entrou em decadência, facto que suscitou o aparecimento deste novo sistema.
O Império Carolíngio caiu porque estava baseado no poder e na governação de um homem, que não tinha instituições bem preparadas para satisfazer as suas vontades. O desaparecimento do Império, na sequência da morte de Carlos Magno, ameaçou a estabilidade da Europa, quando muitos senhores passaram a poder governar os seus dependentes, à margem de qualquer autoridade soberana.
Os laços feudais permitiram que os senhores dessem apenas as liberdades que considerassem estritamente necessárias para a cooperação com os seus vassalos. Sob a liderança dos senhores feudais, os vassalos podiam repelir os invasores e criar principados feudais com alguma complexidade de relações de poderes e com um considerável tamanho. Quando o feudalismo provou a sua eficiência a nível local, reis e imperadores utilizaram-no para fortalecer as suas monarquias.
A maturidade do feudalismo foi atingida no século XI e continuou a florescer nos séculos XII e XIII. O seu berço foi a região entre o Reno e o Loire, mas no final do século XI os senhores dessa região conquistaram o Sul da Itália e a Sicília, a Inglaterra e, com a primeira Cruzada, a Terra Santa. Para cada local onde iam levavam consigo o sistema feudal. O Sul da França, a Espanha, o Norte da Itália e a Alemanha também adoptaram este sistema no século XII, ainda que com variantes próprias. Até a Europa central e oriental foram atraídas por este sistema, sobretudo depois da feudalização do Império Bizantino, na sequência da quarta Cruzada.
Os "feudalismos" do Egipto antigo, da Pérsia, da China e do Japão nada têm a ver com o sistema feudal europeu. Em termos gerais, eram somente estruturas superficialmente aparentadas. Talvez apenas os samurais japoneses tivessem algumas parecenças com os cavaleiros medievais, sobretudo durante o período dos xóguns Ashikaga (1336-1537). Apesar disso, as relações entre senhores e vassalos eram substancialmente diferentes.
Na forma clássica do feudalismo ocidental, toda a terra era pertença do príncipe soberano, sendo este um rei, um duque, um marquês ou até um conde, que só prestava contas das suas acções perante Deus. O príncipe tinha o direito de conceder feudos aos seus barões, que faziam as suas juras de homenagem e fidelidade ao seu senhor e ficavam obrigados a dar assistência política e militar, mediante os termos acordados.
O senhor, ou suserano, podia conceder porções do seu feudo aos cavaleiros, que, por sua vez, lhe prestavam o mesmo tipo de vassalagem que o ligava ao príncipe, vassalagem essa em concordância com os direitos concedidos por aquele (o príncipe).
Se por exemplo um rei concedesse doze senhorios a um barão e viesse a recuperar o serviço de dez cavaleiros o barão podia dar a concessão de dez dos senhorios a dez cavaleiros, e devia estar preparado para dar o serviço devido ao rei.
Podia dar-se o caso de o suserano pretender ficar com todo o feudo e manter os cavaleiros às suas expensas, mas esta situação era contestada por aqueles cavaleiros que queriam ser senhores deles próprios. Os cavaleiros podiam adquirir dois ou mais feudos e também podiam desejar subgarantir o serviço que se obrigavam a cumprir. Estava criada, assim, uma pirâmide feudal, com o soberano no topo, sob este os senhores, e uma força feudal de cavaleiros para servi-lo.
Surgiram complicações neste sistema, todavia, quando alguns cavaleiros aceitavam mais do que um senhor, mas a instituição de homenagem permitia que servisse pessoalmente um senhor e mandasse os seus vassalos servi-lo com os outros senhores. Era tradição em França que "o senhor do meu senhor não é o meu senhor"; por isso, não era considerada uma rebelião para um subvassalo lutar contra o senhor do seu senhor. Na Inglaterra, pelo contrário, Guilherme, o Conquistador, e os seus descendentes obrigavam os vassalos dos seus vassalos a fazer os mesmos juramentos perante si.
Um vassalo devia servir no campo, mas era ainda mais importante o seu contributo militar. Quando o senhor tinha um castelo, ele pedia aos vassalos para o defenderem. O senhor também podia pedir que os seus vassalos frequentassem a sua corte, para o aconselhar e para participar em julgamentos de casos relativos a outros vassalos. Chamam-se a estes dois deveres de "auxilium" e "concilium". Se o senhor precisasse de dinheiro, este podia esperar que o vassalo lhe prestasse uma ajuda financeira, por exemplo, quando pretendia dotar uma filha que casasse.
Nos séculos XII e XIII, muitos conflitos entre senhores e vassalos foram levantados por causa dos serviços que estes deveriam prestar. Em Inglaterra, a Magna Carta definia as obrigações dos vassalos do rei. Por exemplo, estes não deveriam prestar ajuda monetária, excepto na ocasião do casamento da filha mais velha do rei, na cerimónia de passagem a cavaleiro do seu filho mais velho ou para pagar um eventual resgate do rei. Na França, havia normalmente uma quarta situação em que o vassalo deveria emprestar dinheiro ao seu senhor: esta acontecia quando o senhor se envolvia numa cruzada.
Quando os feudos se tornaram hereditários, o senhor reservava uma taxa, a já referida lutuosa, que frequentemente deu azo a muitas contendas. A Magna Carta estabelecia, por exemplo, que a lutuosa de um barão deveria ser de 100 libras e a taxa de um cavaleiro de 5 libras; noutras regiões, esta taxa era bastante variável.
Os senhores reservavam o direito de assegurar um leal e útil possuidor do feudo. Se o herdeiro fosse um filho varão, de maior idade e cavaleiro, o senhor não poderia pôr objecções à passagem do feudo de pai para filho; se, pelo contrário, o herdeiro do feudo fosse menor ou mulher, o senhor tinha o direito de tomar conta do feudo até o jovem atingir a maturidade, ou, no caso de ser mulher, até esta se casar com a aprovação do senhor. O direito de tutoria do senhor permitia-lhe também escolher e arranjar o casamento dos herdeiros do feudo. A viúva de um vassalo tinha direito ao feudo de seu marido enquanto vivesse, um facto que poderia conduzir ao interesse do senhor em recasá-la. No caso de um vassalo morrer sem deixar descendência, as relações dos seus herdeiros para com o senhor variavam muito. Tradicionalmente, irmãos podiam ser aceites, mas primos não. Se o senhor não aceitasse quaisquer herdeiros, o feudo regressava à sua posse total. Ele podia mantê-lo ou, então, entregá-lo a qualquer cavaleiro que escolhesse para seu novo vassalo.
Estas relações feudais eram, como se referiu, contratuais. O incumprimento de alguma das determinações por qualquer das partes interessadas podia conduzir ao rompimento do contrato. Quando um vassalo não cumpria determinados serviços devidos ao suserano, este podia apresentar queixa dele no tribunal perante outros vassalos. Estes, se considerassem o seu par culpado, podiam sancionar o regresso do feudo ao património do senhor. No caso de um vassalo tentar defender as suas terras, o senhor podia entrar em guerra com ele para retomar o controlo do seu feudo. Mas era muito pouco comum que um vassalo entrasse em guerra com o senhor e os seus pares.
Por outro lado, se um vassalo considerasse que o senhor tinha faltado aos seus compromissos, poderia desafiá-lo, eventualmente, declarando que não podia continuar a aceitar a sua autoridade, mas que manteria o feudo, ou, então, procurar outro senhor que o quisesse para vassalo. Esta atitude podia ser perigosa, porque os senhores tomavam esta reacção como uma revolta. Portanto, o dependente deveria estar bem seguro, apoiado e preparado para o confronto no caso de não ser atendido.
Os reis, durante o período medieval, tinham outro tipo de fontes de autoridade para além da soberania feudal. A recuperação dos ensinamentos clássicos incluía a retoma do Direito Romano, com as suas tradições de poderosos governantes e de um governo territorial. A Igreja, por seu turno, ordenava divinamente os governantes, conferindo-lhes um direito sagrado.
O desenvolvimento das cidades, devido ao ressurgimento do comércio e da indústria, formou uma classe urbana poderosa protótipo da "burguesia", que recorria aos príncipes para manter a sua liberdade e paz ou que favorecessem os seus negócios; e inclusivamente, em muitos casos, exigiam participar no governo das urbes.
Na Itália, estes homens formaram comunas, em territórios tomados a diversos senhores e, em alguns casos, forçaram-nos mesmo a mudar-se para as cidades. A norte dos Alpes, as populações fixadas no interior mandavam representantes aos conselhos da monarquia e desenvolveram instituições parlamentares para terem uma voz no governo, em pé de igualdade com o feudalismo. Com os impostos das cidades, os príncipes podiam contratar servos civis e tropas profissionais. Assim, podiam impor-se sobre a feudalidade e tornarem-se independentes, dispensando o serviço dos seus vassalos.
No século XIII o feudalismo atingiu o seu ponto alto, mas rapidamente cristalizou e logo começou a entrar em declínio. Tinha-se chegado a um ponto em que os senhores tinham dificuldade em obter os serviços que supostamente lhes eram devidos. Os vassalos preferiam agora pagar as suas contribuições em dinheiro em vez de prestar serviço militar. Os próprios senhores preferiam, em muitos casos, o dinheiro, porque este lhes permitia contratar tropas profissionais, que estavam mais bem treinadas e mais bem disciplinadas do que os vassalos. Ainda para mais estava-se numa altura em que a reintrodução das tácticas de infantaria e o aparecimento de novas armas - como o arco e a lança - tornavam as tácticas de cavalaria menos decisivas na obtenção de vitórias militares.
Nos séculos XIV e XV, a decadência do sistema feudal foi acelerada. No decurso da Guerra dos Cem Anos, as cavalarias inglesa e francesa lutaram bravamente, mas as batalhas foram ganhas, sobretudo, por homens bem treinados e bem armados, que combatiam a pé, munidos de arcos. Relembre-se, por exemplo, o sucesso dos "lonhowmen" em batalhas como Crécy e Poitiers.
Os guerreiros profissionais lutavam em companhias, cujos líderes mantinham os juramentos de obediência e lealdade ao seu senhor, mas agora sob contratos não hereditários, normalmente acordados por um período de meses ou de anos. Este tipo de feudalismo estava muito próximo dos exércitos de mercenários. Foi na Itália renascentista que se fez esta transição: neste país surgiram os condottieri, guerreiros, em muitos casos de origem inglesa, experimentados e bem sucedidos na guerra transalpina.
Por outro lado, o feudo foi fixado na lei consuetudinária da Europa Ocidental, e algumas características do feudalismo, como a tutoria e o casamento, continuaram depois do serviço militar feudal acabar. Na Inglaterra, os laços feudais foram quebrados em 1600 pela abolição do estatuto, mas arrastaram-se em algumas partes do continente europeu até as leis consuetudinárias serem substituídas pelas leis romanas, como na França, em que este processo apenas terminou com Napoleão.
O Direito Romano tomou o lugar de algumas determinações legais no continente, mas na Inglaterra a lei comum continuou a ser, no geral, feudal. Onde se instalavam, os ingleses levavam consigo as suas leis; o constitucionalismo britânico é, deste modo, feudal, pois baseia-se numa teoria contratual de governo. Quando, no século XVII, John Locke escreveu as suas considerações sobre o governo, procurava generalizar para todas as pessoas o contrato feudal, que limitava os direitos do suserano sobre os seus vassalos, concedendo a estes maior protagonismo.
A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América foi um acto que desafiou este neofeudalismo, pois o Congresso Continental passou a enumerar os actos tirânicos do rei inglês e declarou a colónia desligada dos laços que a uniam à metrópole.
Como referenciar este artigo:
Europa Feudal: Inglaterra, França e Germânia (sécs. X-XIV). In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2009
Período histórico entre a Antiguidade e a Época Moderna, a Idade Média, como qualquer outra divisão cronológica, apresenta datas discutíveis quanto ao seu início e fim. Tradicionalmente, os manuais de História apontam para início o ano de 476, data da deposição do último imperador romano do Ocidente, Rómulo Augusto, por Odoacro, que transferiu mesmo as insígnias imperiais para Constantinopla. Porém outras datas são avançadas usualmente: 395, morte de Teodósio I e divisão do império; 406, início das invasões germânicas; 410, queda de Roma às mãos de Alarico, rei germânico. Se o início da Idade Média é polémico, o fim não é claro também: para além de 1453, ocupação de Constantinopla pelos Otomanos, também se aponta 1492, ano da primeira viagem de Colombo à América, ou até as Guerras da Religião, ocorridas após a Reforma Protestante de 1517 até ao Édito de Nantes, em 1598.
Mas, afinal, o que foi a Idade Média? A civilização medieval caracterizou-se por um fraccionamento da autoridade política e um enfraquecimento da noção de Estado, tendo em conta a organização e centralidade romanas. A economia baseava-se na agricultura, embora o comércio e as manufacturas tenham lentamente progredido. Socialmente, existia uma divisão em três grupos distintos: dois poderosos, a nobreza, guerreira e proprietária, e o clero, dominador mental e culturalmente, e um pobre, servil e maioritariamente camponês, o povo.
A Idade Média pode ser dividida em três períodos, ainda que com variações cronológicas e regionais. Se o Leste da Europa se manteve sob a influência de Constantinopla e da cultura grega, sem grandes mutações políticas e religiosas, o Ocidente europeu acabou por ser a área de definição e desenvolvimento da chamada civilização medieval. Assim, a Alta Idade Média inicia-se com as invasões germânicas e com a gradual ruptura com Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, que se manterá até 1453. A oeste, a fusão das populações romanizadas com os invasores germânicos acentua o declínio económico que se verifica desde o século III na região. A insegurança, a falta de mão-de-obra, os abusos de poder e a estagnação das cidades, que se começam a fortificar então e se resumem cada vez mais a funções episcopais, são traços comuns da época. As populações das cidades retornam ao campo. Os fracos submetem-se aos ricos e poderosos, à aristocracia proprietária, com mais poder que o rei, distante e sem influência. O sistema administrativo romano perde-se gradualmente, restando a Igreja como única herdeira do mundo antigo, voltada agora para a catequização dos campos e dos povos germânicos.
Uma das marcas assinaláveis e de maior projecção da Cristandade em crescimento e da própria civilização medieval é a difusão da vida monástica no Ocidente a partir da elaboração da Regra de S. Bento, figura exponencial do seu tempo, fundador da primeira Ordem religiosa ocidental, os beneditinos, e considerado o pai da Europa. Os mosteiros beneditinos passam a ser os herdeiros da cultura latina e fiéis depositários do mundo antigo, criadores do estilo românico e modelo de administração e unidade. A monarquia carolíngia (dinastia a que pertencia Carlos Magno, rei dos Francos) serve-se desse exemplo.
O sonho de retorno ao Império Romano ilumina a acção dos reis desses tempos, como Carlos Magno. Porém, as partilhas sucessórias (como em 843, em Verdun, com a divisão da França em três reinos) e o estado da sociedade tornam-no difícil. O período entre os séculos X e XIII marca o apogeu da feudalidade, do senhorialismo. As tentativas centralizadoras - como a dos carolíngios - enfraquecem-se desde o século IX: os reis, para manterem alguma autoridade e fidelidade dos seus vassalos, fazem inúmeras concessões de terras (benefícios), fortalecendo os senhores feudais. Nessa época, regressa a insegurança e o medo das populações, devido às incursões de Normandos, Árabes e Húngaros. A única defesa possível é em torno do castelo senhorial: para se protegerem, os camponeses renegam a sua liberdade e rendem-se à vassalidade ou ao servilismo, fortalecendo ainda mais o senhorialismo. Assim, o poder e a autoridade do rei esfumam-se, com a classe guerreira a dominar, apoiada nos benefícios (os feudos). A Alemanha é um excepção: Otton I restaura em 962 o império, agora designado Sacro Império Romano-Germânico. Também a aproximação do ano 1000 animará o Ocidente, semeando medos e incertezas, tumultos, heresias e radicalismos: o refúgio é a Igreja, que daí tira partido e se torna mais poderosa.
O reforço do papado e da Igreja marca o segundo período da Idade Média, compreendido entre o ano 1000 e o século XIII. Com a reforma gregoriana, em finais do século XI, que elimina certos abusos papais, a par da expansão monástica (nascimento de novas ordens - Cister, Premontré, Cartuxa - e reforma de outras - como a beneditina, com Cluny), da suavização da brutalidade militar (com a "paz" ou "tréguas" de Deus e os ideais de cavalaria), do apelo às cruzadas (com S. Bernardo) e da luta contra as heresias (por exemplo, os cátaros no sul de França), a Igreja ganha um grande fulgor e assume-se como o "farol" da Idade Média, moldando mentalidades, difundindo cultura e impondo uma influência política determinante. O papa sobrepõe-se mesmo aos príncipes, entrando em conflito com os imperadores alemães: qualquer rei, para o ser, teria que ter a aprovação de Roma, por exemplo.
As cruzadas e as vitórias no mar sobre o Islão, bem como o crescimento demográfico resultante de certas melhorias na produção agrícola, reanimam o comércio e o artesanato. Dá-se, consequentemente, um grande impulso às cidades, elemento definidor por excelência da Europa dos séculos XII e XIII, anunciando já o Renascimento em certas regiões da Itália e da Provença. Autonomizam-se cada vez mais as cidades, refreando a tutela senhorial e lançando as bases do movimento comunal, principalmente no Norte de Itália e na Flandres. Nasce à margem da sociedade feudal, no povo, um novo grupo social, a burguesia, urbana, mercantil e manufactureira, dedicada à finança, acumulando riquezas, poder e importância cultural.
Com o seu apoio, constrói-se um dos baluartes do mundo medieval, principalmente dos séculos XII a XV: a renovação da intelectualidade, desde sempre remetida ao clero e fechada nas abadias europeias. Assim, a actividade intelectual abre-se ao exterior, ainda que de forma lenta, absorvendo elementos das culturas judaica, árabe e persa, redescobrindo os autores clássicos, como Aristóteles e, em menor escala, Platão. Novos focos de cultura e de ensino nascem um pouco por toda a Europa a partir dos séculos XII e XIII: as universidades. Também é de assinalar a importância crescente dos mosteiros medievais, em cujos scriptoriae os copistas e bibliotecários se dedicavam à conservação e tradução dos clássicos: sem eles, não teria havido, talvez, Renascimento e Humanismo. As Ordens Mendicantes são outra marca da civilização medieval, em virtude da sua actividade assistencial, caritativa e apostólica, revolucionando a atitude da Igreja perante o Homem e o mundo: S. Francisco de Assis e S. Domingos de Gusmão são duas das luminárias do seu tempo.
A partir do século XIV, começo do fim da Idade Média, enfraquece-se a autoridade moral da Igreja (cismas, papas em Avinhão e Roma simultaneamente, abusos vários). A actividade intelectual laiciza-se em parte: as Ciências começam a rivalizar com a Teologia. A Guerra dos Cem Anos consagra o estilhaçar da Cristandade e o começo da ideia de nação, com tentativas de criação de estados fortes. Na França, a monarquia emancipa-se do papa, com conflitos entre Filipe, o Belo, e o papa Bonifácio VIII. Um duro golpe é inflingido à Europa em 1347-50, com a peste negra a dizimar mais de um terço da população, para além de outras epidemias e mortandades comuns nestes tempos. A sociedade continua maioritariamente rural, com a burguesia citadina cada vez mais activa, empreendedora e individualista, génese e motor das novas ideias que triunfarão no século XVI, mercê do progresso cultural, intelectual e artístico iniciado na Idade Média, cujo auge é, para muitos, a invenção dos caracteres móveis (a imprensa) por Gutenberg.
Como referenciar este artigo:
Idade Média. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2009.
Europa Feudal: Inglaterra, França e Germânia (sécs. X-XIV)
O Feudalismo é um sistema contratual, político e militar baseado em relações estabelecidas entre os membros da nobreza e os seus vassalos desenvolvidos na Europa Ocidental durante a Idade Média. Estas ideias feudais, que juntavam a autoridade com a liberdade através de um contrato, tornaram-se uma parte essencial da evolução política da civilização ocidental.
Este sistema caracterizava-se pela concessão de feudos, sobretudo em forma de terras e trabalho, em troca da prestação de serviços militares e políticos; era, pois, um contrato selado por juras de vassalagem e de fidelidade. Neste contrato, tanto o senhor como o seu vassalo eram homens livres e pares sociais. Deste modo, não se deve confundir o Feudalismo com o senhorialismo, um sistema de relações mantidas entre o senhor e os seus camponeses no mesmo período.
O Feudalismo aliava o serviço político e militar e a posse da terra, para preservar a integridade da Europa, ameaçada com a queda do Império Carolíngio.
Quando os invasores germânicos conquistaram o Império Romano do Ocidente, no século V, destruíram o exército profissional romano, que foi substituído pelos exércitos destes povos, compostos por guerreiros que serviam os seus chefes em nome da honra e do saque. Estes guerreiros lutavam a pé e viviam fora das terras. Enquanto lutaram entre iguais não precisaram de cavalaria. Mas com a chegada dos Muçulmanos, dos Vikings e dos Magiares, nos séculos VIII, IX, e X, os germânicos viram-se impotentes face a estes exércitos, que se moviam muito rapidamente.
O gaulês Carlos Martel, no território da actual França, o rei Alfredo no da Inglaterra e o germânico Henrique, o Passarinheiro foram obrigados a providenciar cavalos para alguns dos seus homens para afastar os invasores das suas terras. Não está provado que estas tropas lutassem a cavalo, mas podiam seguir os inimigos mais depressa; como os arreios estavam a começar a ser usados, é bastante plausível que as acções de cavalaria estivessem a principiar no mesmo período. No século XI esta situação era já, de facto, uma realidade.
Os cavalos de guerra eram, porém, caros e o seu treino moroso. Carlos Martel, o avô de Carlos Magno, para suportar os soldados de cavalaria, deu-lhes terras aradas por trabalhadores dependentes, que usurpou da Igreja. Estas propriedades, chamadas benefícios, eram concedidas durante o serviço dos soldados.
Os soldados chamados vassalos - uma palavra derivada do termo gaélico para "servo" - começaram a ser modelos para os nobres da corte, porque estes eram escolhidos e estavam sempre em volta dos chefes carolíngios. No século IX, quando ruiu o Império Carolíngio, muitos senhores poderosos reuniram os seus vassalos montados e concederam-lhes benefícios em troca de serviços. Alguns dos terratenentes mais fracos viram-se na iminência de entrar para a vassalagem e de dar as suas terras aos senhores mais fortes, recebendo-as em troca em forma de benefícios.
As relações militares dos séculos VIII e IX são muitas vezes descritas como formas do feudalismo carolíngio. No entanto, faltam-lhes as características clássicas do feudalismo, um sistema desenvolvido mais tarde, no século X. Só por volta do ano 1000, é que o termo feudo começou a ser utilizado em vez de benefício, e a mudança de terminologia reflecte essa mutação da instituição.
A partir de então, a propriedade concedida ao vassalo era usualmente aceite como hereditária, isto se a prestação do herdeiro do vassalo fosse satisfatória para o senhor e se este pagasse a taxa de herança, a lutuosa (de luto).
O vassalo jurava fidelidade, que toda a gente devia ao senhor, e fazia um juramento especial de homenagem ao senhor feudal, que o investia com o feudo. Embora o feudalismo fosse uma instituição político-militar, ambos os indivíduos envolvidos no contrato tinham direitos sobre o feudo.
As razões deste sistema podem ser encontradas no facto de a guerra ser uma constante neste período. O feudalismo surgiu, como se disse, quando o estado carolíngio entrou em decadência, facto que suscitou o aparecimento deste novo sistema.
O Império Carolíngio caiu porque estava baseado no poder e na governação de um homem, que não tinha instituições bem preparadas para satisfazer as suas vontades. O desaparecimento do Império, na sequência da morte de Carlos Magno, ameaçou a estabilidade da Europa, quando muitos senhores passaram a poder governar os seus dependentes, à margem de qualquer autoridade soberana.
Os laços feudais permitiram que os senhores dessem apenas as liberdades que considerassem estritamente necessárias para a cooperação com os seus vassalos. Sob a liderança dos senhores feudais, os vassalos podiam repelir os invasores e criar principados feudais com alguma complexidade de relações de poderes e com um considerável tamanho. Quando o feudalismo provou a sua eficiência a nível local, reis e imperadores utilizaram-no para fortalecer as suas monarquias.
A maturidade do feudalismo foi atingida no século XI e continuou a florescer nos séculos XII e XIII. O seu berço foi a região entre o Reno e o Loire, mas no final do século XI os senhores dessa região conquistaram o Sul da Itália e a Sicília, a Inglaterra e, com a primeira Cruzada, a Terra Santa. Para cada local onde iam levavam consigo o sistema feudal. O Sul da França, a Espanha, o Norte da Itália e a Alemanha também adoptaram este sistema no século XII, ainda que com variantes próprias. Até a Europa central e oriental foram atraídas por este sistema, sobretudo depois da feudalização do Império Bizantino, na sequência da quarta Cruzada.
Os "feudalismos" do Egipto antigo, da Pérsia, da China e do Japão nada têm a ver com o sistema feudal europeu. Em termos gerais, eram somente estruturas superficialmente aparentadas. Talvez apenas os samurais japoneses tivessem algumas parecenças com os cavaleiros medievais, sobretudo durante o período dos xóguns Ashikaga (1336-1537). Apesar disso, as relações entre senhores e vassalos eram substancialmente diferentes.
Na forma clássica do feudalismo ocidental, toda a terra era pertença do príncipe soberano, sendo este um rei, um duque, um marquês ou até um conde, que só prestava contas das suas acções perante Deus. O príncipe tinha o direito de conceder feudos aos seus barões, que faziam as suas juras de homenagem e fidelidade ao seu senhor e ficavam obrigados a dar assistência política e militar, mediante os termos acordados.
O senhor, ou suserano, podia conceder porções do seu feudo aos cavaleiros, que, por sua vez, lhe prestavam o mesmo tipo de vassalagem que o ligava ao príncipe, vassalagem essa em concordância com os direitos concedidos por aquele (o príncipe).
Se por exemplo um rei concedesse doze senhorios a um barão e viesse a recuperar o serviço de dez cavaleiros o barão podia dar a concessão de dez dos senhorios a dez cavaleiros, e devia estar preparado para dar o serviço devido ao rei.
Podia dar-se o caso de o suserano pretender ficar com todo o feudo e manter os cavaleiros às suas expensas, mas esta situação era contestada por aqueles cavaleiros que queriam ser senhores deles próprios. Os cavaleiros podiam adquirir dois ou mais feudos e também podiam desejar subgarantir o serviço que se obrigavam a cumprir. Estava criada, assim, uma pirâmide feudal, com o soberano no topo, sob este os senhores, e uma força feudal de cavaleiros para servi-lo.
Surgiram complicações neste sistema, todavia, quando alguns cavaleiros aceitavam mais do que um senhor, mas a instituição de homenagem permitia que servisse pessoalmente um senhor e mandasse os seus vassalos servi-lo com os outros senhores. Era tradição em França que "o senhor do meu senhor não é o meu senhor"; por isso, não era considerada uma rebelião para um subvassalo lutar contra o senhor do seu senhor. Na Inglaterra, pelo contrário, Guilherme, o Conquistador, e os seus descendentes obrigavam os vassalos dos seus vassalos a fazer os mesmos juramentos perante si.
Um vassalo devia servir no campo, mas era ainda mais importante o seu contributo militar. Quando o senhor tinha um castelo, ele pedia aos vassalos para o defenderem. O senhor também podia pedir que os seus vassalos frequentassem a sua corte, para o aconselhar e para participar em julgamentos de casos relativos a outros vassalos. Chamam-se a estes dois deveres de "auxilium" e "concilium". Se o senhor precisasse de dinheiro, este podia esperar que o vassalo lhe prestasse uma ajuda financeira, por exemplo, quando pretendia dotar uma filha que casasse.
Nos séculos XII e XIII, muitos conflitos entre senhores e vassalos foram levantados por causa dos serviços que estes deveriam prestar. Em Inglaterra, a Magna Carta definia as obrigações dos vassalos do rei. Por exemplo, estes não deveriam prestar ajuda monetária, excepto na ocasião do casamento da filha mais velha do rei, na cerimónia de passagem a cavaleiro do seu filho mais velho ou para pagar um eventual resgate do rei. Na França, havia normalmente uma quarta situação em que o vassalo deveria emprestar dinheiro ao seu senhor: esta acontecia quando o senhor se envolvia numa cruzada.
Quando os feudos se tornaram hereditários, o senhor reservava uma taxa, a já referida lutuosa, que frequentemente deu azo a muitas contendas. A Magna Carta estabelecia, por exemplo, que a lutuosa de um barão deveria ser de 100 libras e a taxa de um cavaleiro de 5 libras; noutras regiões, esta taxa era bastante variável.
Os senhores reservavam o direito de assegurar um leal e útil possuidor do feudo. Se o herdeiro fosse um filho varão, de maior idade e cavaleiro, o senhor não poderia pôr objecções à passagem do feudo de pai para filho; se, pelo contrário, o herdeiro do feudo fosse menor ou mulher, o senhor tinha o direito de tomar conta do feudo até o jovem atingir a maturidade, ou, no caso de ser mulher, até esta se casar com a aprovação do senhor. O direito de tutoria do senhor permitia-lhe também escolher e arranjar o casamento dos herdeiros do feudo. A viúva de um vassalo tinha direito ao feudo de seu marido enquanto vivesse, um facto que poderia conduzir ao interesse do senhor em recasá-la. No caso de um vassalo morrer sem deixar descendência, as relações dos seus herdeiros para com o senhor variavam muito. Tradicionalmente, irmãos podiam ser aceites, mas primos não. Se o senhor não aceitasse quaisquer herdeiros, o feudo regressava à sua posse total. Ele podia mantê-lo ou, então, entregá-lo a qualquer cavaleiro que escolhesse para seu novo vassalo.
Estas relações feudais eram, como se referiu, contratuais. O incumprimento de alguma das determinações por qualquer das partes interessadas podia conduzir ao rompimento do contrato. Quando um vassalo não cumpria determinados serviços devidos ao suserano, este podia apresentar queixa dele no tribunal perante outros vassalos. Estes, se considerassem o seu par culpado, podiam sancionar o regresso do feudo ao património do senhor. No caso de um vassalo tentar defender as suas terras, o senhor podia entrar em guerra com ele para retomar o controlo do seu feudo. Mas era muito pouco comum que um vassalo entrasse em guerra com o senhor e os seus pares.
Por outro lado, se um vassalo considerasse que o senhor tinha faltado aos seus compromissos, poderia desafiá-lo, eventualmente, declarando que não podia continuar a aceitar a sua autoridade, mas que manteria o feudo, ou, então, procurar outro senhor que o quisesse para vassalo. Esta atitude podia ser perigosa, porque os senhores tomavam esta reacção como uma revolta. Portanto, o dependente deveria estar bem seguro, apoiado e preparado para o confronto no caso de não ser atendido.
Os reis, durante o período medieval, tinham outro tipo de fontes de autoridade para além da soberania feudal. A recuperação dos ensinamentos clássicos incluía a retoma do Direito Romano, com as suas tradições de poderosos governantes e de um governo territorial. A Igreja, por seu turno, ordenava divinamente os governantes, conferindo-lhes um direito sagrado.
O desenvolvimento das cidades, devido ao ressurgimento do comércio e da indústria, formou uma classe urbana poderosa protótipo da "burguesia", que recorria aos príncipes para manter a sua liberdade e paz ou que favorecessem os seus negócios; e inclusivamente, em muitos casos, exigiam participar no governo das urbes.
Na Itália, estes homens formaram comunas, em territórios tomados a diversos senhores e, em alguns casos, forçaram-nos mesmo a mudar-se para as cidades. A norte dos Alpes, as populações fixadas no interior mandavam representantes aos conselhos da monarquia e desenvolveram instituições parlamentares para terem uma voz no governo, em pé de igualdade com o feudalismo. Com os impostos das cidades, os príncipes podiam contratar servos civis e tropas profissionais. Assim, podiam impor-se sobre a feudalidade e tornarem-se independentes, dispensando o serviço dos seus vassalos.
No século XIII o feudalismo atingiu o seu ponto alto, mas rapidamente cristalizou e logo começou a entrar em declínio. Tinha-se chegado a um ponto em que os senhores tinham dificuldade em obter os serviços que supostamente lhes eram devidos. Os vassalos preferiam agora pagar as suas contribuições em dinheiro em vez de prestar serviço militar. Os próprios senhores preferiam, em muitos casos, o dinheiro, porque este lhes permitia contratar tropas profissionais, que estavam mais bem treinadas e mais bem disciplinadas do que os vassalos. Ainda para mais estava-se numa altura em que a reintrodução das tácticas de infantaria e o aparecimento de novas armas - como o arco e a lança - tornavam as tácticas de cavalaria menos decisivas na obtenção de vitórias militares.
Nos séculos XIV e XV, a decadência do sistema feudal foi acelerada. No decurso da Guerra dos Cem Anos, as cavalarias inglesa e francesa lutaram bravamente, mas as batalhas foram ganhas, sobretudo, por homens bem treinados e bem armados, que combatiam a pé, munidos de arcos. Relembre-se, por exemplo, o sucesso dos "lonhowmen" em batalhas como Crécy e Poitiers.
Os guerreiros profissionais lutavam em companhias, cujos líderes mantinham os juramentos de obediência e lealdade ao seu senhor, mas agora sob contratos não hereditários, normalmente acordados por um período de meses ou de anos. Este tipo de feudalismo estava muito próximo dos exércitos de mercenários. Foi na Itália renascentista que se fez esta transição: neste país surgiram os condottieri, guerreiros, em muitos casos de origem inglesa, experimentados e bem sucedidos na guerra transalpina.
Por outro lado, o feudo foi fixado na lei consuetudinária da Europa Ocidental, e algumas características do feudalismo, como a tutoria e o casamento, continuaram depois do serviço militar feudal acabar. Na Inglaterra, os laços feudais foram quebrados em 1600 pela abolição do estatuto, mas arrastaram-se em algumas partes do continente europeu até as leis consuetudinárias serem substituídas pelas leis romanas, como na França, em que este processo apenas terminou com Napoleão.
O Direito Romano tomou o lugar de algumas determinações legais no continente, mas na Inglaterra a lei comum continuou a ser, no geral, feudal. Onde se instalavam, os ingleses levavam consigo as suas leis; o constitucionalismo britânico é, deste modo, feudal, pois baseia-se numa teoria contratual de governo. Quando, no século XVII, John Locke escreveu as suas considerações sobre o governo, procurava generalizar para todas as pessoas o contrato feudal, que limitava os direitos do suserano sobre os seus vassalos, concedendo a estes maior protagonismo.
A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América foi um acto que desafiou este neofeudalismo, pois o Congresso Continental passou a enumerar os actos tirânicos do rei inglês e declarou a colónia desligada dos laços que a uniam à metrópole.
Como referenciar este artigo:
Europa Feudal: Inglaterra, França e Germânia (sécs. X-XIV). In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2009
Sem comentários:
Enviar um comentário